segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

MARIA


Não sei se é oração, não sei se é poesia. Maria, sei que é para você. Eu a olho, Madona, no quadro do Renascimento. Mas você não fica lá: bela, estática, clara, translúcida, divina, Você sai de lá. Eu a vejo rindo. Não, sorrindo docemente, meigamente .. . Rindo com som, com tremor de todo o corpo, rindo com os olhos, com as mãos, com os cabelos, com a própria pele. É toda você que ri, de um riso borbulhante. Você é alegria. Vejo suas faces coradas, quase rubras, de quem andou ao sol. Vejo-a lidar com pressa, com vontade de acabar, com vontade de fazer, de ver o trabalho aparecer ... se dando toda ao serviço, se cansando por ele. Vejo-a criando e ficando feliz por criar. . . fazendo da rotina o seu dia a dia. Fatigada, sentando-se, e com um suspiro profundo, gozando o prazer do descanso merecido. Você é gente. Vejo seu peito arfar, sua boca se abrir numa inspiração de corpo inteiro, num cansaço saudável de quem correu atrás de um menino irrequieto que sobe, que desce, que pula. Vejo-a correr com ele, atrás dele, rir com ele, rir dele, falar com ele, falar dele. Vejo-a sorrir para ele e aí seu corpo sorri. .. meigamente .. . docemente ... Vejo-a correr atrás dele, brincando, jogando, ralhando, dizendo não, dizendo sim. Ampará-lo antes que caia, levantá-lo depois que caiu. Tomá-lo nos braços, curar suas dores, limpar seus arranhões. Cobri-lo de beijos e, ao mesmo tempo, censurá-lo pela imprudência infantil. Suas mãos e seu olhar o alcançam: nessas horas, suas mãos têm a leveza de plumas e a maciez aveludada do pêssego.

Você é mãe. 

Vejo-a sofrer. Não pálida, inerte, fluida. Mas num sofrimento integral de mãos apertadas, de boca arcada, de olhos pesados, semi-cerrados, de faces descoradas, de gemidos, de pranto. Você é sofrimento. Vejo lágrimas. Não duas gotas de orvalho que apenas tocam faces de porcelana inexpressivas, geladas. É um choro amargo, que rola porque pesa, que cai sulcando a face, magoando, maltratando. É um choro de olhos vermelhos, inchados, doloridos. É um choro carregado de tristeza, de emoção, de dor. É como um rio caudaloso após a tempestade, levando pedaços de margem, engrossando sua transparência com o humus escuro. Você é pranto. Vejo-a receptiva, aberta,· disponível, como só você é capaz de ser. Fazer-se oca para que possa ser cheia de graça. Abrir-se para receber o filho de Deus em seu ventre, para receber Jesus, filho de sua carne, em sua vida. Receber, doando-se. Não guardando nada para si. Doação total. Receber, não porque nasceu para isto, mas porque vive para isto. Receber, como você, Maria, recebe o anjo que O anuncia, como você O recebe no Na tal, como você recebe Sua vida para o Pai, como você recebe Sua prisão, Sua paixão, Sua morte, Sua ressurreição. Receber, como você recebe João, quando Ele diz: "Mulher eis aí teu filho, filho, eis aí tua mãe." Você é a Mãe de Deus. Maria, cheia de graça, eu não a vejo, eu a sinto. Você é.

Neide Monteiro Peluso
Equipe 24, Setor D, São Paulo

(texto extraído da Carta Mensal ENS-CM-1981-3 de Março de 1981)

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