sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

AS PEQUENAS COISAS DIFÍCEIS

- Não vou à missa. Não gosto. 

Braços cruzados, cabeça baixa, tranças penduradas, a pequena menina decidira que, com sete anos, já era suficientemente crescida para pensar por si mesma e tomar suas próprias decisões. A rebeldia era ousada, já que as missas aos domingos eram sagradas e, sem elas, nada de troca de gibis na matinée. Mas valia a pena o castigo. Afinal, já bastava a imposição de usar aquelas horrendas botas, que os adultos achavam necessárias e a faziam sentir-se diferente de todas as outras meninas. Mas, para falar a verdade, ela era mesmo um pouco diferente. Tentava achar graça na boneca bonita, pegava-a nas mãos, procurando entender o que aqueles olhos azuis e esbugalhados queriam dizer, mas ela era dura e não tinha reações. Era muito mais viva aquela pitanga madura, lá no alto da pitangueira, que parecia lhe dizer: "Venha me pegar, se for capaz ... " E, entre a boneca e a pitanga, ela jogava a primeira de lado e partia para a aventura. Sem dúvida o carrinho de rolemã, que despencava pela descida louca do corredor e parava bem na beiradinha da escada, trazia mais emoção do que a boneca de olhos azuis esbugalhados. 

Mas, voltando à missa, parecia que um problema surgira, pois os meninos, parados no meio da sala, com roupa de domingo, esperavam o resultado do impasse. A tia, então, calmamente, chamou a menina de lado e disse-lhe algo que ela jamais esqueceria: 

- Olhe, nem sempre devemos apenas fazer o que gostamos. São as pequenas coisas difíceis que realizamos as que têm maior valor perante Deus. 

As pequenas coisas difíceis têm mais valor ...

Naquele exato momento, a missa passou a representar para a garota algo muito especial, e o vencer-se a si mesmo um desafio. Jogou as tranças para trás, ergueu a cabeça e, certa de que iria realizar algo muito difícil, foi para a igreja, orgulhosa, convicta de que a "sua missa" tinha mais valor. 

E assim foi durante muito tempo, até quando a maturidade e o entendimento fizeram com que ela compreendesse a missa e, compreendendo-a, fizesse da participação nela não um sacrifício, mas um privilégio. 

E a pequena menina de tranças, traços de minha infância, volta-me sempre a memória, toda vez que me deparo com uma pequena coisa difícil que não desejo fazer. E, com ela, o eco daquelas sábias palavras: 

- As pequenas coisas difíceis têm mais valor ... 

Se fôssemos analisar nosso comportamento, veríamos que procuramos sempre evitar contrariar-nos. Fugimos de tudo aquilo que nos aborrece, que não desejamos fazer no momento, mesmo sabendo que aquilo poderia construir-nos mais. Aceito meu horário de tal forma que o tempo dedicado a mim mesma seja sagrado. Nenhum compromisso que surja poderá 
alterá-lo. A seqüência para o uso de meu tempo é: trabalho, lazer e o pouco que sobra (se sobra) dedico a Deus, quando o inverso deveria ser feito. Nada, nem ninguém, modificará este esquema, esta ordem: trabalho - lazer - Deus. Afinal, eu trabalho tanto. Mereço uma boa quota de descanso. Entre uma atividade equipista e o ficar em casa, faço o segundo e arranjo mil justificativas para que eu possa me sentir bem comigo mesma. Rezar o terço? Ora, isto não faz o meu gênero, não está de acordo com o meu temperamento alegre e inventivo. Não gosto de oração formal. E esqueço-me de que Nossa Senhora não abandona nunca quem diz (ainda que sem gostar) cinqüenta vezes por dia "Agora e na hora de nossa morte. Amém." Deixar de falar o que me vem na cabeça? Jamais. Abro a boca e digo tudo o que penso, simplesmente porque eu preciso dar vazão aos belos conceitos que tenho, sem auto-censura, sem cuidados com o tom de voz ou dureza de expressão, que certamente irão magoar pessoas que me rodeiam e que me são queridas. Afinal, minhas idéias são formidáveis, são as melhores do mundo. Deixar de comer tanto? Também não. Uma vezinha só que eu abra a geladeira não fará mal nenhum. Afinal, eu mereço. Do mundo não se leva nada. E as gorduras vão se acumulando, colocando mais um na lista dos maridos de mulher gorda. Gorduras físicas. Gorduras espirituais. Ensino meus filhos a comerem de tudo; cenoura faz bem prá vista, verduras têm vitaminas, mas encosto no canto do prato a primeira chicórea refogada que me cai às mãos. 

E assim, de concessão em concessão, eu vou fazendo todas as minhas vontades, vou me mimando, vou me minando, sem perceber, e me torno uma criança. Uma pobre criança mimada. 

As pessoas fortes, as pessoas que marcam, são aquelas que sabem dizer não a si mesmas. Será que os nossos amigos que freqüentam as noites de oração preferem sair pelo frio úmido das noites porque gostam de rezar, de estar numa capela? Muitos, sim, já alcançaram as maravilhas de um crescimento interior. Outros, não, são simplesmente pessoas que buscam encontrar o caminho certo, ainda que seja o mais difícil. Será que João Paulo II, o João de Deus, no final de sua peregrinação pelo Brasil, desejava erguer os braços, sorrir e abençoar durante horas milhares de pessoas que gritavam sem parar? Será que (lembrando Madre Teresa) visitou leprosos apenas para satisfação interior? Será que Cristo deixou-se sacrificar por prazer? Serão todos masoquistas? Não. . . por certo que não. . . Estas pessoas são pessoas fortes, com auto-análise, pessoas de fibra, que não se mimam, não se justificam a si mesmas, que sabem o que querem, exemplos de força interior, auto-superação, cientes de que cada vez que dizem não a si mesmas estão falando sim a Deus. São como a menina de tranças, que aprendeu a valorizar o difícil e, no passado, deu exemplos à adulta que é hoje, às vezes tão mimada por si mesma. 

Maria Luiza 
Equipe 2 de São Carlos

(Fonte: Carta Mensal das Equipes de Nossa Senhora - ENS-CM-1982-1)

ENS Piabetá - Vivência diária dos Pontos Concretos de Esforço - PCE 24/02/2017

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