sexta-feira, 10 de março de 2017

ACOLHER A PALAVRA

Quantas vezes temos ouvido isto desde que entramos nas Equipes! Dias de estudos, retiros, reuniões, o próprio tema de estudos deste ano no-lo têm recordado como sendo um meio natural para avançarmos rumo às metas cristãs. Pois bem, vamos perguntar-nos: como vai a nossa leitura e a nossa compreensão da Palavra de Deus? 

Há lares em que se dedica um dia por semana à leitura da Sagrada Escritura, cada um dizendo depois o que esta leitura lhe sugeriu. Isto nos parece um caso extraordinário? São Paulo assim desejava a todos: "Que a palavra de Deus viva intensamente entre vós." E a própria Escritura nos diz que "nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus". 

Deus nos escreve uma carta - contudo, quase sempre, deixamos essa carta no bolso sem abri-la. Lemos os mais diversos livros, lemos diariamente o jornal; mas se há um livro que lemos pouco é a Bíblia. Embora seja um livro muito difundido, continua bastante ignorado. Deveríamos perguntar-nos como fazemos para ignorá-lo tanto?! Estamos tão ocupados assim que não temos tempo para ele? Que outros livros nos parecem tão urgentes ou tão mais importantes? 

Muitas vezes, sem dúvida, vocês ouviram dizer: leiam o Evangelho, precisam recorrer ao Evangelho. . . Alguns respondem: "Já tentamos, mas o que lemos já nos parecia conhecido e talvez por isso não nos dizia nada." Não lhes parece terrível ter que confessar um fracasso desses? Se o Evangelho não nos fala, é porque não soubemos lê-lo como convém. Talvez o estejamos lendo como um livro comum, para saber o que vai acontecer, para saborear as peripécias de seus relatos. Mas o Evangelho não é um livro comum! É um livro de comunhão com o pensamento de Deus e de revelação daquilo que nós mesmos somos. Não entenderemos a Sagrada Escritura enquanto não nos vermos nela, enquanto ela não nos revelar quem somos, enquanto não se converter em luz que ilumine nossa vida e conteste nossos comportamentos. 

O Evangelho poderia ser comparado com um espelho. Não usamos um espelho para estudar a sua antiguidade, seu valor, sua autenticidade ou sua marca: usamos um espelho apenas para olhar-nos nele! Somente quando começamos a olhar-nos na Palavra de Deus percebemos como somos e como estamos agindo, e só a partir desse momento é que ela começa a agir em nós.

Diante do Evangelho, só deveria haver dois tipos de homens: os que dizem sim e os que dizem não. E, não obstante nos possa parecer paradoxal, a imensa maioria é formada por aqueles que dizem: sim, mas. . . Ou seja, os que temos uma resposta muito mais complicada e condicional. Uma resposta que parece que diz sim, mas que logo demonstra que é não. Uma resposta nem fria nem quente. O famoso "nem sim, nem não, muito pelo contrário" ... 

Deus acreditava que, diante do seu Evangelho não haveria mais que essas duas respostas possíveis: sim e não. No entanto, acontece que nós, cristãos velhos e espertos, ao cabo de vinte séculos criamos uma grande gama de respostas intermediárias, uma espécie de cômoda e espaçosa terra de ninguém, onde nos situamos tranqüilos entre o Evangelho, com suas bem-aventuranças, e os nossos egoísmos pessoais. Uma prova disto, vamos buscá-la no próprio Evangelho. "Aquele que ouve a Palavra e a põe em prática (na sua vida, entende-se) é como um homem que edificou sua casa sobre a rocha. Aquele que edificou sobre a areia, edificou erradamente e a casa lhe veio abaixo." Para Cristo, decididamente, não cabem mais do que estas duas atitudes. 

E no entanto, é aqui que aparece uma terceira atitude, que é a de muitos de nós: a daquele que edifica sobre a areia, mas tão bem camuflado e pintado, imitando tão bem a pedra que todos os que passam acreditam que tenha construído sobre a pedra mais legítima. O que acontecerá a este homem quando soprar o forte vendaval da vida é coisa que não desejo a nenhum de vocês nem a mim. Edificar sobre a pedra é precisamente acolher a Palavra, fazê-la nossa, dar nossa adesão a ela, sem hesitações nem camuflagens. "Aos que a receberam, deu o poder de se tornarem filho de Deus, àqueles que crêem nela." (Jo. 1, 12-13) 

Com o Evangelho acontece o mesmo que com os bons vinhos, que têm de ser saboreados várias vezes e em pequenas quantidades. Uma segunda leitura de uma mesma passagem sem dúvida nos dirá algo de novo além daquilo que nos disse da primeira vez, na medida em que nos interessemos em encontrar-lhe novos significados. Entretanto, é sobretudo o Espírito quem nos abrirá a inteligência para compreendermos melhor o que Deus nos diz pela sua Palavra. Por isso nossa leitura do Evangelho deve estar sempre precedida de uma oração sincera: "Vem, Espírito Santo, ensina-nos a luz da tua verdade!" 

Pe. Joaquim Sangran, S.J. 
(Traduzido da Carta Espanhola)

(Fonte: Carta Mensal das Equipes de Nossa Senhora - ENS-CM-1982-6)

ENS Piabetá - Vivência diária dos Pontos Concretos de Esforço - PCE 10/03/2017

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