Durante vários anos, fiz com regularidade a minha meditação. Pouco a pouco, foi sendo abandonada. Um dia, na revista onde eu colaborava, designaram-me para uma reportagem numa "Casa de Oração". Meu primeiro movimento foi tirar o corpo, mas acabei indo. E lá estava eu, na primeira manhã, para a primeira atividade: 30 minutos de oração, com o título de "meditação". Trinta minutos de vazio... ao ponto de ser levado a dizer a mim mesmo: Depois que você abandonou a meditação, como você ficou longe de. . . Longe de Deus. Mas se eu procuro trabalhar conscienciosamente, se procuro dar-me bem com todo o mundo. . . será que isto não me aproxima de Deus tanto quanto ficar aí imóvel, olhando disfarçadamente para o relógio? ...
O último dia daquela semana comportava 3 horas de meditação. Três horas seguidas! No entanto, passaram mais depressa do que os 30 minutos do primeiro dia. Questão de treino? Não, seria preciso mais do que seis dias. Acredito, isto sim, que eu tinha redescoberto Deus, reencontrado a fome de Deus que nos impele à meditação. Foi então que compreendi o tédio que me tinha levado a abandonar a meditação: ela se havia tornado uma "coisa" que eu precisava encaixar a qualquer preço no meu horário de todos os dias. Este horário, cada vez mais sobrecarregado, é que ocupava o primeiro lugar, minha vida é que comandava a oração.
Houve então uma brusca mudança de perspectiva: eu vi que a fome de Deus é que constituía a essência de meu ser e que era ela (e portanto a oração) que devia comandar a minha vida. Passei a entender melhor certos salmos: "Tem sede a minha alma do Deus vivo ... " (SI. 41); "Meu Deus, procuro-te, de ti tem sede a minha alma, por ti desfalece a minha carne" (SI. 63) ; "Exultam meu coração e minha carne pelo Deus vivo!" (SI. 84).
É certo que estes lampejos de fé e de lirismo combinam muito mal com a vida a que chamamos "real". Bem que o percebi quando voltei daquela semana. Assim mesmo, encontrei 30 minutos por dia para a minha meditação. E... funciona.
Devo dizer que tinha compreendido também que há meditação e meditação. A meditação que eu acabava de revalorizar era algo mais amplo, mas flexível, nitidamente mais atraente do que a meditação que havia abandonado.
A revolução de Copérnico
Vou tentar apresentar o meu ponto de vista. Não se trata de introduzir mais alguma coisa no meu dia, ou de passar a exercitar-me numa nova "técnica espiritual". Trata-se do sentido global que quero dar à minha vida. Para isto, proponho que entremos primeiro na perspectiva da revolução de Copérnico. Sem isto, qualquer discussão sobre "fazer ou não fazer a meditação diária" é inútil, porque ficamos à margem da verdadeira questão.
Vocês se lembram de Copérnico e Ptolomeu? Era pacífica, até Copérnico, a teoria de Ptolomeu, que datava do II século. Segundo ele, o universo girava ao redor da terra, considerada como o seu centro. Não foi sem lutas que, lá pelo ano de 1543, Copérnico provou que era o sol o centro de nosso sistema planetário.
Pois bem. Ou Deus é o sol ao redor do qual eu organizo tudo; ou então Deus é um objeto entre muitos outros que gravitam no céu sobrecarregado da minha vida. Copérnico ou Ptolomeu.
Criados por Deus, criação contínua de Deus, somos fundamentalmente feitos para Deus. Todo o nosso ser é impulso, "vocação" para Ele, para a plenitude à qual nos chama. É o que proclama Santo Agostinho: "Fizeste-nos para ti. ... " Penso que, teoricamente, todo o mundo aceita isto, mas sem chegar à lógica de um comportamento correspondente. O nosso proceder cotidiano com demasiada facilidade é organizado com base em outros dados. Tanto assim que, quando se trata de assumir uma responsabilidade quanto à oração, procuramos automaticamente encaixar este dado na nossa vida tal qual ela é, ao passo que seria preciso antes de mais nada examinar qual a idéia fundamental sobre a qual a nossa vida está construída.
Um "bom pedaço de tempo" para Deus
Para entrar no espírito de oração e nele perseverar, é preciso um encontro diário com Deus, um "bom pedaço" do nosso tempo dedicado inteiramente a Ele. Todos os que passaram por esta experiência estão de acordo neste ponto. O que falta, a meu ver, é mostrar quão indispensável é haver uma homogeneidade entre esse tempo de meditação e a vida cotidiana. A meditação verdadeira (e durável) só pode ser o tempo forte de uma contínua fome de Deus. Há uma interação entre estas duas coisas: a fome de Deus nos impele para a meditação, a meditação intensifica a fome de Deus, que conduz a meditações cada vez mais profundas.
O grande passo a dar antes de nos decidirmos a retomar a meditação é aceitar como verdadeira realidade, como verdade mestra a afirmação de Santo Agostinho: "Fizeste-nos para ti. .. ". Concretamente, isto significa que eu quero fazer de toda oração reencontro com Deus; que eu quero entregar-me a qualquer trabalho sem abandonar a Deus; que eu quero doar-me aos meus irmãos com o próprio amor de Deus. São estas aspirações que podem ser chamadas de estado de oração, clima de oração. Dentro desse clima, não há dificuldade alguma para se encontrar 30 minutos por dia.
Quando se opõe oração e ação, as pessoas pensam no tempo "roubado" à ação generosa. Mas o espírito de oração não é apenas "um tempo", é a própria cor de uma vida, quando se tem fome de Deus! E vidas assim têm sempre, além desta, uma outra cor: a fome de servir os outros. Longe de ser um banho de irrealidade, esses 30 minutos aparecem como os mais reais dentro do nosso dia. Falo por experiência. As raras vezes em que eu me senti tentado a fazer dez outras coisas "muito urgentes" em vez de "perder" esses trinta minutos, passei o dia na confusão e na irrealidade.
Demos-Lhe este presente
É necessário ver muito bem por que vamos dar esses trinta minutos para Deus. Para que nos mantenha, dia após dia, voltados para Ele, com real fome dEle. Não quero deixar de alertá-los para uma idéia falsa e muito prejudicial: imaginar que vamos para a meditação com a disposição de fazer trabalhar a cabeça, com o objetivo de penetrar os mistérios e as forças de Deus. Vamos a ela para sermos nós trabalhados por Deus. Somos ricos apenas desses trinta minutos que vamos dar a Deus. É algo que nos deve levar a pensar. Queremos tanto dar algo para Deus! Eis que podemos, todos os dias, chegar diante dEle com este presente de trinta minutos.
Adaptado de André Sêve,
"Trente minutes pour Dieu",
por Pedro Moncau Jr.
(Fonte: Carta Mensal das Equipes de Nossa Senhora - ENS-CM-1982-6)
ENS Piabetá - Vivência diária dos Pontos Concretos de Esforço - PCE 11/03/2017
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