Um homem e uma mulher partem juntos para uma "vida a dois".
É feita de meandros,
de divergências,
de lutas,
de paciência.
É feita de coragem a "vida a dois".
Partimos de braços dados.
Reencontramo-nos, separados por uma plataforma, cada qual com sua mala, esperando trens diferentes, dizendo-nos: "Não o reconheço". "Não a reconheço". Eis a contradição. Será que nos conhecemos verdadeiramente?
Há, no início de tudo amor, uma tal sede do outro, um tal desejo de tudo dar, tudo receber, e há, muitas vezes, um tal deslumbramento, que nós nos "inventamos" sem nos conhecer. O que buscamos no outro, o que amamos nele, é ele, certamente, mas é também essa parte de nós mesmos que lhe demos, que lhe consagramos, essa parte de nós mesmos que lhe entregamos para guardar e que desejaríamos tornar a encontrar intacta, sem rugas, nem marcas no fim do caminho ...
Conhecermo-nos não é apenas "descrever" a nós mesmos. É compreender. É partilhar. Partilhar treva e luz, erro e perdão, é realizar, dia após dia, essa obra prima, difícil, única, que se chama o "casal", e não simplesmente, o "par". Se quisermos que a vida a dois dure para sempre, é preciso que tenhamos a humildade, a paciência, a sabedoria, de recomeçá-la cada manhã, 365 vezes por ano.
Ontem vi um casal Ele tinha mais de 80 anos. Ela teria pouco menos. Ambos ofegavam, subindo a ladeira. Ele tinha cabelos brancos. Ela, olhos muito azuis e umas rugas que dava vontade de beijar. Ele sofria de asma e ela de reumatismo.
Estou certa de que tinham um punhado de netos e bisnetos. Que haviam passado por inúmeros sofrimentos, preocupações, brigas e reconciliações. Que vinham vivendo talvez, sem muitas palavras, mas com a vontade de permanecerem juntos e, juntos também, morrerem. Isto pode fazer sorrir. No entanto, é preciso amar muito alguém para dizer: "gostaria de morrer ao lado dela ... ao lado dele ... " e sentir-se enfim seguro.
Ela possuía um olhar muito azul, que fazia ainda perguntas. Ele, segurando-a pela mão, acreditava protegê-la de tudo: da velhice, da maldade, da solidão, da morte. Não ousei perguntar se eles, outrora, discutiram, traíram, se dilaceraram. Não ousei perguntar se, certa manhã, ele a achara menos bela, menos atraente que antes. Não ousei perguntar se ela o achara maníaco, rabujento, cansativo e autoritário. Se ela o irritara com seus tricôs, seus doces, sua tagarelice e suas arrumações. Se ele a exasperara com suas palavras cruzadas, suas coleções de selos, sua vaidade. Não ousei perguntar quantas vezes ele saíra batendo a porta, quantas vezes ela chorara, quantas vezes ele havia dito: "você está engordando ... ", quantas vezes ela havia exclamado: "você já não me ama como antigamente".
Não ousei perguntar quantas vezes eles estiveram a ponto de se destruir, se odiar, se separar quem sabe? De que adiantaria isso? Eles ali estavam, juntos. Não existe um truque, um sistema, uma receita-milagre, para um "amor-milagre". Existe o amor: com suas inseguranças, suas etapas, suas sombras, suas crises, que muitas vezes são apenas crises de cres-cimento. Existe o Amor coberto de cicatrizes, talvez mais comovente, justamente por causa de suas cicatrizes, do que o que nada sofreu, nada arriscou, nada enfrentou.
Não ousei perguntar: "Como fizeram?" Quem teria ousado perguntar?
Aos vinte anos, ela sem dúvida, lhe dizia: "Vamos dançar?" Ele respondia: - "Se você quiser, querida".
Aos trinta anos: "Vamos até a praia?" - "Se você quiser, querida"
Mais tarde: "Vamos ver as crianças?" - "Se você quiser, querida".
Ali, na minha rua, com seu ar de quem pressente os acontecimentos e seus lindos olhos azuis, ela parecia dizer: - "Vamos até ao fim da vida?" E ele, apertando com força a pequena mão enrugada, devia responder em seu coração: - "Se você quiser, querida".
*
Olhei para eles, e disse a mim mesma, com lágrimas nos olhos: "Senhor, por que permitiste que Romeu e Julieta envelhecessem?"
Pergunta ridícula. Pergunta idiota. O milagre, a beleza, a lição do amor é isso. E todos os dias cruzamos com ele, nós, os inquietos, nós, que amamos mal, nós, que pretendemos fazer a análise, a síntese de tudo.
O Amor é isso: dois anciãos numa ladeira, de mãos dadas, para chegar juntos - ofegantes, mas, juntos - ao fim desse caminho difícil, de onde poderão, enfim, contemplar o rio, as árvores e a VIDA!
Simone Conduché
(Texto, traduzido do francês, para ser deixado "displicentemente" na sala de espera de Centro de Aconselhamento Familiar).
(Fonte: Carta Mensal das Equipes de Nossa Senhora - ENS-CM-1983-2)
ENS Piabetá - Tesouros da Carta Mensal
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